Morte Na Noite Escura
I
Sob árvores velozes
Que o deus-vento mantinha
Na melancolia.
E dizias tu que a vida era o sol-chama
Que a sombra das árvores
Mantinham o charco húmido.
As alegres rãs espreguiçavam-se
Até mais tarde
Quando o faustoso caracol
Adormecia no húmus do nosso peito
E tu vinhas mais cedo
Trazendo café pela manhã
Atravessando o rochedo
Circulando pela janela
Ou calculando o salto sobre o tigre,
Quando as almofadas despidas
Rasgavam o charco
E o seu horizonte imenso
Fazia a felicidade de todos os animais.
Tínhamos na mão o sol
Que o café aqueceu,
Aquela alegria
Que a morte aproxima
A verdade-vontade.
II
Do coração nada sabemos
Que as copas das árvores nos ensinem
Quando o verão está quase
E o grilo nos canta sob o ouvido
Que o tempo na nota certa escuta.
Estamos a ficar crescidos e fortes...
A morte se aproxima devagar e mais vagar
São os passos que o tigre
Desejou durante a manhã
No rebordo da chávena.
Mentalmente criamos tédio
Sobre o salto das rãs
Que no nanufár verde sonham
Com insectos saborosos.
São os silêncios destes bater de asas
Nos fazem sede
Daquilo que o antigo sol nos tira.
São os nossos irmãos sem regra
Que gesticulam
O nosso peito inchado de tanto bater
Caído de chapa sobre a água.
O caracol acordado
Pousado sobre o ombro do tigre
Dilacera as últimas migalhas
Que o vento transportou.
Na morte o insecto encontra finalmente um deus
Um deus menor
Que o do caracol ou do tigre
Mas está morto.
III
Do alto desta janela
A vida é mais segura para o tigre.
O caracol teima em não chegar até ao fim do dia.
Mas chega rápido noite
E alonga o lago até ao arvoredo.
Deslizando por sobre a erva um manto severo
A noite muda os seres
O cérebro do tigre gira para dentro
A vida pára, transforma-se...
A estátua de gelo,
Múmia translúcida.
A pirâmide que não foi esquecida
Pelo regresso em seu olhar,
Aqui quieto rolando
Sem expressão linear
Os próximos pensamentos virão
Por mão do caminho que traçamos os dois.
do livro " pretéritos imperfeitos" 2006 de josé luis pinto