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sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

kangosta vellha. a poesia

 
 
 
 
A Poesia
 
Desejei-o tão intensamente...
Por dentro e por fora,
Tão sublime, tão melodramático,
Tão cheio e tão doce;
Breve ilusão um poema ter algum sentido.
 Um simples Ocaso;
Um Poente quente
Numa paisagem linear.
Uma miragem calma
E intensamente intemporal
Onde a realidade do que lá está
É um segundo de Poesia
E uma vida inteira de Solidão.
Terra erma, estéril...
Oxidada por cores ferrosas
De ocre e vermelho málaga,
Sob um céu de azul pálido
E amarelo chumbo.
 Um poema...
Um anátema, um paradigma, o último reduto...
Existir.
Entre altos desfiladeiros
E penhascos de encontro aos céus,
Sonhámos um dia nos encontrarmos
Na poesia da Terra.
Como a Deusa antiga,
Vamos tecendo em novelo
O invisível fio,
Cuidando e alimentando.
Cresce o nosso sonho,
cresce também o nosso sono de existir,
E somos nós próprios o sonho
De sentir nesta vida em carne
A rasgar o ventre deste chão ermo
E absoluto
Que lemos em suas raízes
O mistério Maior.
Aí, se nos ensinassem a Poesia,
Se nos ensinassem a aprender a Morte...
Não nos sentaríamos nós à lareira
Meditando sobre a chave do Mundo?!...
É a própria vida que nos ensina
Que a poesia ultrapassa a Morte
Como a santidade transfigura a vida.
E, se tudo na vida é ciência
Será ela capaz de ressuscitar os mortos?!...
Recolhamo-nos.
Recolhamo-nos reflectindo em harmonia
Para o reencontro entre o Homem e o Universo.
...
É pois da total e verdadeira sinceridade moral
Que as virtudes da Poesia nascem,
E cujos segredos residem
No Sonho que a Infância conserva...
Reencontremos o sentido da Natureza.
O Poeta reinventa a Natureza, reinventando-se...
 
do livro "pretéritos imperfeitos" 2006 do autor
 
 
 

kangosta vellha. um quadro

 

 
 
Um Quadro


A paciente inanimada
Volteja no ar sonhos brancos.
Com olhos de chuva imaculados,
Verdes prantos
Que a caridade firmemente segura
Com a palma da mão.
Na cama antiga
A cobertura plana,
Um manto azul,
Quadrados vermelhos e amarelos
No pálido xadrez da coberta,
A almofada branca segura ávida a pobre coitada.
O ambiente pensativo
Corrói e fustiga sobre as paredes
Uma velha medicina.
Por uma abertura,
Um vão de janela,
Um sonho triste da noite se esbate
Contra um velho janelão verde de madeira,
Único, projecta no quarto da moribunda
Uma sombra imensa...
Um incomensurável mistério.

do livro "pretéritos imperfeitos" 2006 do autor 
 
 

kangosta vellha. ªceD.ªrte

 
 



ªceD.ªrte


O drama rupestre da caça, da guerra e da morte,
Atravessa-nos na alma como uma antecâmara da Arte.
Linhas  rudes e ferozes
Em deformações rochosas de cor.
Migalha-se a cor; pigmentos puros.
O cheiro nauseabundo das entranhas da terra,
Fezes, carvão, óleos e ácidos,
Sulfurosas poções e enxofres
Misturam-se no ar petrificado do interior de grutas
Profundas nos anais do inicio dos tempos.
A Arte antiga produz o espírito ancestral.

...

 Hoje sinto-me neolítico...
Sem regras, sem restrições,
Sem composição para criar,
Sem arquitectura.
Como um agricultor sem arado,
Sem adubo para semear ou água para dar de beber.
Vou erguer um valado e delimitar
A minha forma á minha existência,
Os meus terrenos ao meu ser.
É necessário impor limites,
Proporções e dimensões,
Uma construção sólida,
Uma Casa,
Um Templo.
...

Egipto;
Um quadro, um Império...
A ordenação simétrica, a composição colossal;
A arquitectura dos Anjos e Deuses Universais.
A visão de glória, o poder absoluto...
O Deus-Faraó,
O Deus-Nilo.
...

Penso na Grécia Antiga...
E saltam-me lágrimas aos olhos de um saber mais antigo
Que me cai na alma em espiral...
Aspiração ancestral;
Atingimos frontalmente a realidade do pensamento objectivo,
Chegámos à maturidade da nossa civilização,
Do Cidadão político e da Liberdade.
Os gregos criaram a essência mais pura e a invenção mais clara da humanidade...
O Grego é o escultor da Civilização,
O arquitecto das pormenorizadas absolutas simetrias.
Além tempo, além mar, a sensação da profundidade do espaço
Na representação figurativa do corpo e da alma,
O cânon da proporcionalidade humana.

                                                                                     do livro "pretéritos imperfeitos" 2006 do autor

kangosta vellha. viagem alucinante (ou psicadélica)





Viagem Alucinante ( ou Psicadélica)


Fechamos todas as portas da memória
E no interruptor desligamos a inteligência-lógica;
Subamos as escadas sensoriais do passado rumo à arte...
Recebemos o troco em pão-sacrificado
do bilhete para a passagem.
Partamos sem desejos
Partamos sem lembranças graves...
A estação fica deserta de nós,
E cada som agora parece um passado longínquo.
Respira-se no ar o enxofre das engrenagens
Misturadas no apertado peito com a palavra Saudade
E visões coloridas de spots publicitários
Que se espetam no meio dos olhos
Como dois gigantes parafusos.
Durante os cânticos dos Anjos-borboteta
Despedimo-nos da realidade-objectiva,
Despojando na paleta de Deus
As cores e os sons de nós mesmos.
Trocamos fluídos entre seres invisíveis.
Sentimos o sonho nos bafejar no rosto
Precipitando-se para o exterior difuso
Para além da janela oca
Outros muitos se projectam e se precipitam...
A viagem não é tão longa assim.

                                                                    do livro "pretéritos imperfeitos" 2006 do autor

kangosta vellha. falling apart

FOR SALE PARA VENDA
TITLE: FALLING APART
OIL ON CANVAS 60X70CM 2003



A tela falling apart pertence a um tipo dos meus quadros elaborado apartir de experiências antigas de decomposição e construção. Para comprar contacte: jlpinto65@gmail.com, ou pelo telefone: 965244836
 

kangosta vellha. so many ways

FOR SALE PARA VENDA
TITLE: SO MANY WAYS
OIL ON CANVAS 60X90CM 2011


so many ways é uma pintura experimental, á procura de novos caminhos, novas técnicas...
o quadro está para venda e pode-me contactar em: jlpinto65@gmail.com, ou pelo telefone: 965244836

 

kangosta vellha. cântico negro

 
 
 
 
Cântico Negro
 
"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
 De que seria bom que eu os ouvisse
 Quando me dizem: "vem por aqui!"
 Eu olho-os com olhos lassos,
 (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
 E nunca vou por ali...
 A minha glória é esta:
 Criar desumanidades!
 Não acompanhar ninguém.
 — Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
 Com que rasguei o ventre à minha mãe
 Não, não vou por aí! Só vou por onde
 Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
 Redemoinhar aos ventos,
 Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
 A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
 E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
 Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos... 
Ide! Tendes estradas,
 Tendes jardins, tendes canteiros,
 Tendes pátria, tendes tetos,
 E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
 Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
 Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo. 
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
 Ninguém me peça definições!
 Ninguém me diga: "vem por aqui"!
 A minha vida é um vendaval que se soltou,
 É uma onda que se alevantou,
 É um átomo a mais que se animou...
 Não sei por onde vou,
 Não sei para onde vou
 Sei que não vou por aí!
 
 José Régio
 
 

kangosta vellha. deixa lá já passou



Deixa lá já passou

Lá fora está um tempo daqueles, horrivel mesmo e creio que deram alerta vermelho para esta zona onde vivo; estou indeciso se hei-de ligar a TV e ver notícias, ligar a radio, continuar a navegar ou ir dormir. Penso..., se calhar era onde deveria de estar, ainda é muito cedo.
Mas algo me incomoda. Não sei explicar bem o quê, um mal estar assim como que um arrepio pela coluna acima, como que uma previsão de vir a ficar doente. Deve de ser estas correntes de ar que se infiltram pelas frinchas das janelas e portas, ou este ar sempre húmido...
Optei por ligar a rádio, sintonizei a TSF, ouço Doors, light my fire...! estranho ouvir isto a esta hora, quando normalmente associo esta canção que gosto, a outros momentos do dia. Na rua passa um carro, ouço-o parar alguém sai, deve de ser o padeiro para fazer entregas. Concentro-me novamente no mau tempo e penso novamente no padeiro não sei bem porquê.
Dizem na radio que irá estar assim até ás nove horas. Desligo-o.
Troco-o por uma lista indefenida proporcionada pelo windows media... ouço cirrus minor dos Pink Floyd, nem mesmo a calhar, uma entrada sublime, uns passarinhos a cantar talvez num bosque algures da velha Inglaterra proporciona-me distancia ao tempo lá fora, uma guitarra melodiosa e um piano inspirado em LSD, uma voz a pairar, parece um anjo a sobrevoar por sobre a minha cabeça, adorei este momento; a música termina com o teclado a deslizar parece um extraterrestre e os passarinhos já se foram...

                                                                                         kangosta vellha

kangosta vellha. the wrong writer

FOR SALE PARA VENDA
TITLE: THE WRONG WRITER
OIL ON WOOD 80X45,5CM 2012




the wrong writer é um quadro bastante colorido, um pouco infantil até, retrata abstratamente a frase de Pessoa "...cartas de amor são todas ridículas...". para interessados contacte: jlpinto65@gmail.com, ou pelo telefone: 965244836.